quarta-feira, 14 de maio de 2008

HIPERATIVIDADE E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA

Mário Félix


“Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado, nele se encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade” (Charles Chaplin).

Resumo
1.O transtorno de déficit de atenção / hiperatividade (TDA/H) tem sido muitas vezes inconsistentemente diagnosticado em alunos das séries fundamentais e apontado como fator determinante no desempenho do aluno, principalmente no que se refere à educação matemática. Neste artigo, verifica-se quais são os elementos que constituem esse transtorno, a partir do ponto de vista científico e leigo, questionando-se sua real influência na Educação Matemática.

Palavras-chaves: Hiperatividade e Aprendizagem Matemática

O transtorno de déficit de atenção / hiperatividade (TDA/H) tem sido apontado como uma das principais causas do fracasso escolar e em especial, no que se refere ao aprendizado da educação matemática nas séries iniciais, ou seja, na educação fundamental. Entende-se aqui como sendo portadoras de TDA/H, crianças previamente diagnosticadas por professores, coordenadores, pediatras, neurologistas, psicólogos, psiquiatras e pais, que apresentam distúrbios ou não de aprendizado, mas que mantêm visíveis alterações de comportamento, diferenciando-se dentro do contexto escolar das outras crianças ditas “normais”. Portanto, surge aqui uma primeira dificuldade, uma vez que o diagnóstico de TDA/H é caracterizado pelos aspectos apresentados na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana (APA). Para o diagnóstico clínico, é necessário associar a TDA/H a alterações do metabolismo cerebral (Bastos, 2003). Todavia, esse manual não deve ser apontado como o referencial último para o diagnóstico, tendo em vista as controvérsias em torno do conceito de hiperatividade, sendo algumas delas verificadas neste artigo. Mesmo na comunidade médica, não há um consenso, uma vez que diversas pesquisas referentes ao tema têm seu conteúdo questionado, por não apresentarem uma boa base de argumentação científica e, muitas vezes, atenderem a interesses diversos, como por exemplo: os das indústrias farmacêuticas. Na maioria das vezes, o diagnóstico é feito por pessoas leigas, que tomam como referência apenas o fato da criança apresentar algum desvio de conduta, em relação ao pressuposto da normalidade escolar.
Tal fato torna a maioria dos diagnósticos, sem os devidos estudos associados aos casos, muito perigosos, uma vez que podem levar a conclusões errôneas, principalmente porque as dificuldades de aprendizagem podem ter diversas outras causas, como por exemplo: dislexia, discalculia, disgrafia, problemas sociais e de comportamento, entre outros. Consideramos aqui neste artigo os indivíduos que apresentam um conjunto variável de comportamentos inadequados, tais como movimentação física excessiva e despropositada, dificuldade para concentrar-se em tarefas propostas, agressividade difusa e não justificada, associadas a queixa de mau rendimento escolar como sendo possíveis portadores de TDA/H, cujo aprendizado em Matemática será analisado. (Sucupira, 1985)
O aprendizado da Matemática não é linear, embora uma grande parcela da sociedade considere que o seja. Esta não linearidade significa que um conteúdo não aprendido em determinada fase pode ser estudado posteriormente e, finalmente, uma possível lacuna outrora deixada aberta pode ser preenchida. No geral, a Matemática é considerada a ciência que tem como objeto de estudo a quantidade e o espaço, ou seja, o número e a forma. Esta é uma definição considerada primitiva, pois sabe-se que o conceito da Matemática vai mais além, por ser uma ciência exata, que comprova e verifica de forma regular as descobertas de outras ciências. Embora não esteja pautada em fenômenos naturais comprovados empiricamente, ela se desenvolve como linguagem, o que constitui um meio de comunicação e uma ferramenta usada para descrever e analisar problemas, bem como intervir nas suas soluções.
Sabe-se que o processo que envolve o aprendizado matemático é inerente ao funcionamento da inteligência humana e se manifesta nos primeiros dias de vida, na tentativa de estabelecer relações (Piaget, 1978). Daí há uma aproximação com a arte em seu contexto natural e inato: a arte pela arte. Já enquanto ciência, a Matemática reporta-se a fenômenos naturais comprovados empiricamente. Esta ciência exige raciocínio hipotético dedutivo: imagina-se respostas aos problemas e busca-se prová-las até torná-las consistentes mediante o apoio de verdades já estabelecidas, chamadas de axiomas, a partir das quais se pode fazer demonstrações lógicas e chegar a novos resultados ou teoremas. As novas descobertas ou os novos teoremas precisam ser comunicados, donde a necessidade de uma linguagem própria à matemática. Como conseqüência, o conhecimento matemático é axiomático-dedutivo, embora isso não signifique que esse conhecimento é acabado, pois está em permanente construção. (Ponte e Serrazina, 2003)
Alguns indivíduos supostamente portadores de TDA/H apresentam dificuldades em Matemática, outros não. Acontece que, de forma errônea, muitos portadores de discalculia ou dislexia 1 são “diagnosticados” como portadores de TDA/H. O fato é que, ao apresentar problemas de aprendizado, o educando costuma sofrer de alterações comportamentais e, frequentemente, estas dificuldades acabam levando a pessoa a assumir uma atitude negativa perante o estudo da disciplina, sendo “taxadas” de hiperativas por conta do seu comportamento. Mas, segundo Bastos (2003), uma criança hiperativa possui uma capacidade de abstração muito grande, que leva a um potencial intelectual e criativo bastante elevado. Sendo assim, cria-se um paradoxo: por sua natureza dedutivo-axiomática, a Matemática necessita de um campo abstrato e investigatório para se desenvolver em qualquer indivíduo, isso sem levar em consideração as idades de cálculos concretos e abstratos pelas quais as crianças passam ao longo do seu desenvolvimento. Com base neste fato, é um erro considerar que uma criança supostamente portadora de TDA/H será também desprovida de requisitos básicos para o aprendizado matemático, ou mesmo afirmar de forma categórica que seu insucesso se deva a uma possível TDA/H; ao contrário: isso explica o porquê dessas “agitadas” crianças terem, muitas vezes, um bom desempenho na Matemática, sendo que esse desempenho não se verifica em outras disciplinas.
Todavia, um bom raciocínio abstrato e capacidade lógica não são suficientes para garantirem sucesso, não por conta das estruturas cognitivas do sujeito, e sim porque a Matemática – não se pode negar – exige boa memória, capacidade de abstração, um certo nível de concentração e dedicação aos estudos. Sendo assim, os problemas de memória que parecem surgir em atividades rotineiras – podendo ser exemplificados por esquecimentos de objetos ou informações importantes para a execução de alguma atividade – podem prejudicar a aprendizagem matemática das crianças supostamente portadoras de TDA/H. Cabe ainda ressaltar que a inconsistência e as flutuações no comportamento, ora apresentando-se de uma forma, ora de forma oposta, freqüentemente presentes em indivíduos com TDA/H, também podem prejudicar seu aprendizado. (Flick apud Bastos, 2003)
No geral, um dos principais transtornos que afetam o aprendizado da Matemática é a discalculia, a qual não é relacionada à ausência de habilidades matemáticas básicas, como contagem, e sim, à forma com que a criança associa essas habilidades ao mundo que a cerca (Bastos, 2003). A aquisição de conceitos matemáticos e outras atividades que exigem raciocínio são afetadas neste transtorno, cuja baixa capacidade para manejar números e conceitos matemáticos não é originada por uma lesão ou outra causa orgânica. Normalmente, a dificuldade de aprendizagem matemática é encontrada em combinação com o transtorno da leitura ou Transtorno da Expressão Escrita e tais domínios não estão diretamente relacionados à TDA/H. Não existe uma causa única e simples que possa justificar as dificuldades com a Linguagem Matemática, as quais podem ocorrer por falta de habilidade para determinação de razão matemática ou pela dificuldade em elaboração de cálculo matemático. Essas dificuldades estão atreladas a fatores diversos, podendo estar vinculadas a problemas como o domínio da leitura e/ou da escrita, que afetam a compreensão global de um texto ou problema, bem como o próprio processamento da linguagem (Luczynski, 2003).
Por fim, se não existe um consenso sobre a TDA/H nos meios acadêmico e científico, fica difícil estabelecer relações entre este transtorno e a aprendizagem matemática. Portanto, não se tem uma real comprovação de que a TDA/H possa ser considerada uma disfunção causadora de dificuldades no aprendizado da matemática ou mesmo afirmar que crianças portadoras de TDA/H são propensas a um aprendizado mais facilmente absorvido.


1- Dificuldade específica de aprendizado da linguagem: em leitura, escrita, em linguagem expressiva ou receptiva, em razão e cálculos matemáticos. (Luczynski, 2003)

Referências:
BASTOS, F.L. e BUENO, M. C. Diabinhos: Tudo sobre Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. (mimeo)
BASTOS, F.L. Neurosciences for Kids Brasil. Disponível em
http://br.geocities.com/neurokidsbr/. Arquivo capturado em 22 de outubro de 2006.
BOSSA, Nadia A. Fundamentos da Psicologia. In: Nadia A. Bossa. A Psicopedagogia no Brasil. Contribuições a partir da prática, 2ª edição, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
LUCZYNSKI, Zeneida B. Dislexia, você sabe o que é? Disponível em
http://www.dislexia.com.br/. Arquivo capturado em 08 de novembro de 2006.
MATTOS, P. (1999). TDAHI: Diagnóstico e causas. Arquivo capturado em 1º de outubro de 1999 disponível em http//www.dda.med.br
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
PLENAMENTE. Transtornos de Aprendizagem. Disponível em
http://www. plenamente.com.br/diagnosticos7.htm. Arquivo capturado em 22 de outubro de 2006.
PONTE, J. P. e SERRAZINA, L. As práticas dos professores de Matemática em Portugal. Educação e Matemática. Lisboa: APM, 2004.
SUCUPIRA, Ana Cecília S. L. Hiperatividade: doença ou rótulo? Caderno CEDES, nº 15, 1985.

Publicado em 04/05/2007 15:34:00


Mário Félix - Licenciado em Matemática – UNIFACS e Pós-Graduado de Pedagogia com Ênfase em Orientação Educacional- UNIFACS.

Nenhum comentário: